A Lista, de Jennifer Tremblay




Jennifer Tremblay
Editora: Autêntica
80 páginas
ISBN: 9788582175194
1ª Edição - 2014

Sinopse:
'A Narradora se desespera; 'O que você, Caroline, gosta no fato de ter filhos?' , 'Gosto da facilidade de se amar os filhos'. Gosto da facilidade de se compreender este texto. Gosto da tradução da Risa. Da poesia da Jennifer. Do ritmo alucinado de sua calma. Batidas à porta. Mais portas. Menos janelas. Mais saídas reais. Apareça lá em casa. Mesmo. Traga seu pijama. Eu acendo a lareira. Eu não tenho lareira. Mas acendo. Também trago no peito as marcas das minhas listas impossíveis. Também preciso parar. Abrir a porta. Pois trago no peito a memória de nossa humanidade possível. Apareça. Agora estou menos enlouquecida. Agora estou aqui, de verdade.'

O monólogo da canadense Jennifer Tremblay aborda a vida de uma mulher dominada pelas atribuições cotidianas e consumida pela culpa por algo que poderia ter sido evitado. No decorrer da história, é descrita a forma como a protagonista conheceu Caroline, sua nova vizinha e amiga, em uma região campestre, provavelmente canadense, na qual a narradora reside com o marido e seus três filhos.

Se fosse possível descrever o tema da obra com apenas uma palavra, seria esta: negligência. O motivo é que a culpa que corrói a narradora sem nome durante toda a história surge a partir de pequenas – e corriqueiras – negligências. O ápice ocorre quando a protagonista descuida de uma tarefa que Caroline solicitou a ela. Essa simples tarefa nos apresenta um terrível fato, do qual o leitor já está ciente desde o início e se questiona para saber o que o causou.

A administração das listas é uma atividade complexa. Os itens numa lista não têm a mesma importância. Não sou nada racional. Minhas listas são intermináveis. [...] 'Achar o número da médica'. Eu não considerei corretamente essa tarefa. Eu devia tê-la considerado de imediato. Sem dúvida. Era urgente. Eu a considerei uma tarefa flutuante. Eu a reescrevia de uma lista à outra. Às vezes nem reescrevia. Eu a achava numa lista antiga. Isso me lembrava que eu tinha prometido. E eu a copiava novamente.
(pág. 55)

Um dos únicos trechos escritos em prosa de toda a obra transmite o modo de agir e o perfeccionismo inerente à protagonista. Os demais trechos são escritos em versos e o texto divide-se em atos (Expiração, Opressão, Dispneia, Síncope, Asfixia, Sufocação e Inspiração). As frases curtas e diretas não significam pouca profundidade, pelo contrário: são capazes de transmitir toda a angústia da personagem e fazer o leitor refletir a respeito das críticas e dos dilemas apresentados no decorrer da história, assim como rever suas prioridades e responsabilidades.

O que você gosta no fato de ter filhos?
Minha pergunta não é sincera.
Ela é mais uma reprimenda.
Ela a coloca contra a parede.
Minha pergunta não é sincera.
Minha pergunta significa o que você gosta no fato de ter tanto problema.
Mas Caroline é uma mulher sincera.
Ela ouve apenas as palavras de que faço uso.
O que você gosta Caroline no fato de ter filhos?
(pág. 38)

Uma das críticas mais fortes que a obra carrega é sobre a maternidade e o casamento. Enquanto Caroline é uma mulher casada e devota aos quatro filhos e ao amor que lhe proporcionam, a narradora queixa-se constantemente das tarefas que seus filhos demandam diariamente, da ausência do marido, cujo trabalho é na cidade, e da falta de auxílio por parte dele no cotidiano da casa e dos filhos.

“Quis vir pra cá pra ele ficar comigo.
Quis vir pra cá pra afastá-lo de tudo.
Quero toda a sua atenção.
Queria sugar o meu marido completamente.
Ser seu único alimento.
Achei que aqui ele não me veria apenas amadurecer.
Achei que aqui eu seria mais doce.
Mas sou uma fruta amarga.
Na cidade.
Ou no campo.
Continuo a ser uma fruta amarga.”
(pág. 18)

Sem mais provas, fica claro que a narrativa é de uma delicadeza e, ao mesmo tempo, de uma frieza que chega a doer. As pausas durante o monólogo são tanto para respirar quanto para digerir aquilo que foi dito. Enquanto a leitura pode ser feita em apenas um dia, o conteúdo da obra permanece latente na cabeça do leitor durante semanas. Ouso dizer que esta é uma obra inesquecível, feita para ser relida em diferentes épocas de nossas vidas, sempre tendo um diferente significado.


Half Bad, de Sally Green


Sally Green
Editora Intrínseca
304 páginas
1ª edição

Sinopse:
Nathan, filho de uma bruxa da Luz com o mais poderoso e cruel bruxo das Sombras. O adolescente vive com a avó e os meios-irmãos e é visto como uma aberração por seus pares. O Conselho dos Bruxos da Luz vê nele uma ameaça, que precisa ser domada ou exterminada. Prestes a completar dezessete anos – época em que todos os bruxos passam por uma cerimônia em que seu dom é finalmente revelado bem, como sua denominação como bruxo da Luz ou das Sombras –, agora Nathan terá que correr contra o tempo para achar o pai, que jamais teve oportunidade de conhecer, e salvar a própria pele.

Quase todo mundo já está farto de livros YA protagonizados por bruxos e afins. O gênero está saturado de histórias desse tipo, com protagonistas rasos e ruins e tramas que são mais do mesmo e não falam de nada novo. No meio disso tudo, Half Bad, um lançamento ainda fresco nas prateleiras, é um verdadeiro achado e uma história com potencial, mas que, até o momento, tem feito menos barulho no Brasil do que merecia.

Assim como uma certa escritora britânica que todos conhecem, Sally Green resolveu contar uma história sobre bruxos, e criou seu próprio universo para isso. Durante a leitura, é impossível não lembrar em algum momento de Harry Potter, embora as semelhanças entre as duas obras não vão muito além do tema. O universo que Green criou, apesar de simples e despretensioso, é extremamente original, funcionando de uma maneira surpreendente. 

Os bruxos de Sally são divididos em duas raças (chamemos assim, embora essa palavra nunca tenha sido usada no livro): Bruxos da Luz e Bruxos das Sombras. Bruxos da luz são maioria e não se misturam em momento algum com Bruxos das Sombras, que são os renegados que se recusam a viver misturados com os félixes (não-bruxos), como fazem os seus opostos.

O protagonista, Nathan, é um menino que desde pequeno foi uma exceção. Seu pai, Marcus, é um poderoso e violento bruxo das trevas caçado abertamente pelo Conselho dos Bruxos da Luz. Sua mãe é uma bruxa da Luz que teve o marido assassinado por Marcus. As circunstâncias da concepção de Nathan são um mistério. O menino é criado pela avó materna e pelos meio-irmãos. Nunca conheceu o pai, que vive foragido e nunca tentou contato, nem a mãe, que está morta. Nathan é o único bruxo meio-código: Meio-Luz e Meio-Sombra. Todos os anos ele precisa ser levado ao Conselho, onde é submetido a testes para que possa ser designado seu código definitivo e para que ele possa ser rotulado, enfim, como bruxo da luz ou das sombras.

Sally Green usa a história para falar de temas fortes, como racismo, preconceito e os motivos que levam uma pessoa a ser “má” ou “boa”. Nathan, desde muito pequeno, já é discriminado, agredido e ameaçado pela própria irmã por ser diferente, mestiço. O bullying que Nathan sofre na escola rende cenas pesadas e violentas, que servem bastante como reflexão sobre a forma como os adolescentes lidam com a diversidade. Em um livro razoavelmente curto, a autora explora isso tudo sem pesar na história, que não deixa de ser um romance ágil e empolgante de aventura.

O Conselho está constantemente avaliando e rastreando Nathan, pois acham que ele é sua maior chance de chegar a Marcus. Conforme ele cresce, o desejo do menino de conhecer o pai só aumenta, assim como seu ódio pelo Conselho por todo o sofrimento que lhe causa. Isso o faz, em alguns momentos, se perguntar se ele é mais parecido com o pai do que pensava. Se sua metade má não prevalece sobre a boa. 

A história é cheia de cenas de ação fantásticas, principalmente aquelas em que os poderes dos bruxos acabam figurando. Eles se assemelham mais a habilidades como as dos mutantes de X-Men do que com poderes como os dos bruxos de Harry Potter. 

Ao completar dezessete anos, todo bruxo deve receber três presentes e beber o sangue de um bruxo mais velho de sua família. Esse ritual de iniciação é essencial, pois é depois dele que se manifesta e se desenvolve o dom de cada um. Os dons podem ser bem variados, indo desde o preparo de poções, que é o mais comum, até soltar fogo pela boca e pelas mãos, se transformar em animais, ler mentes e desacelerar o tempo. Geralmente, os dons são os únicos poderes que os bruxos têm. A originalidade da autora ao discorrer sobre as tradições dos bruxos e as características que os diferem dos félixes é impressionante em sua simplicidade.

Em uma trama ágil, cheia de cenas de ação e sequências quase cinematográficas, Half Bad é uma pequena pérola entre os outros livros do gênero. Sally Green estreia com louvores com este livro, que me surpreendeu pela maturidade e pelo tom sombrio da história. Definitivamente, um livro que merece cada segundo investido, e que deixa um desejo imenso de saber mais desse universo e do restante da história de Nathan. Uma surpresa e tanto e, definitivamente, um dos melhores YAs que já  li.


A Menina Sem Palavra, de Mia Couto

Mia Couto
Editora: Boa Companhia
160 páginas
ISBN: 9788565771061 

Sinopse:
Os dezessete contos desta antologia foram escritos em fases distintas da carreira do escritor Mia Couto e compõem um panorama surpreendente do universo infantil em Moçambique. Acostumados a reconhecer nos povos africanos a violência e a miséria, o leitor encontrará nessa seleção uma delicadeza que não se vê nos relatos oficiais. As histórias selecionadas mostram a complexidade que move as relações familiares, a orfandade em um país que viveu por anos em guerra, a realidade das crianças submetidas ao trabalho infantil e os resquícios da luta pela independência.
Mia Couto é um prosador bastante sensível às complexidades da vida e um escritor que constrói as narrativas inspiradas na linguagem oral, revelando a sua influência e admiração pelo nosso Guimarães Rosa, sem contar a presença do fantástico e do religioso em suas histórias. 

Logo que terminei o primeiro conto, me perguntei como ainda não havia lido Mia Couto. É um autor de uma delicadeza que transmite a cruel realidade que o povo moçambicano teve que enfrentar e atualmente ainda enfrenta. As histórias mostram a complexidade que move as relações familiares, a orfandade em um país que viveu por anos em guerra, a realidade das crianças submetidas ao trabalho infantil e impedidas de estudar – como pode ser lido e sentido no conto ‘’O Dia em Que Explodiu Mabata-Bata’’ – e os resquícios da luta pela independência, simbolizados pelas minas, que continuam ativas e matando as crianças da região.

Difícil definir qual é o conto mais doloroso do livro, mas também difícil definir aquele que mais aumentou meu já desenvolvido interesse pela cultura e tradições africanas. O escritor é de extrema sensibilidade às adversidades da vida e as evidencia na maioria dos seus contos, os quais mesclam o contexto histórico de Moçambique com o cotidiano de personagens comuns, bem construídos e com uma pesada carga emocional.

O universo infantil é amplamente abordado, porém alguns personagens já maduros nos chocam igualmente com suas histórias. Apesar de ser uma obra ficcional, saber que a guerra civil moçambicana ocorreu em um período tão atual (de 1976 a 1992), e que perdurou por tanto tempo, nos faz pensar que as consequências ainda estão sendo vividas pela população e que muitos foram obrigados a participar de milícias, que refreavam o movimento e aterrorizavam sua própria população, apenas como uma forma de sobrevivência – como nos é mostrado em ‘’O Apocalipse Privado do Tio Geguê’’.

Acendemos paixões no rastilho do próprio coração. O que amamos é sempre chuva, entre o voo da nuvem e a prisão do charco. Afinal, somos caçadores que a si mesmo se azagaiam. No arremesso certeiro vai sempre um pouco de quem dispara. (pág. 19)

A temática da mulher também ganha destaque no livro, infelizmente com a ênfase de que a mulher era vista como a coitada, aquela de que todos têm piedade por ver seu sofrimento diário, porém ninguém toma providência alguma – como pode ser visto no conto ‘’A Rosa Caramela’’.

Mesmo os olhos lhe eram escassos, dessa magreza de quererem, um dia, ser olhados, com esse redondo cansaço de terem sonhado. (pág. 21)

Apesar dessa ênfase, a admiração do autor pela mulher se deixa transparecer no conto já citado, ‘’O Apocalipse Privado do Tio Geguê’’, ainda que a personagem feminina tenha recebido um desfecho miserável.

A redondura das ilhas, dizia, é o mar que faz. A beleza dessa menina, meu sobrinho, é você que lhe põe. As mulheres que são muito extensas, a gente viaja-lhes, a gente sempre se perde. (pág. 48)

A ambiguidade do desfecho de alguns contos também é explorada por Mia Couto, deixando para o leitor interpretar como desejar, levando muitas vezes à reflexão e fazendo-nos ter a súbita vontade de ler o conto novamente, logo após o ter finalizado. Um dos contos – o qual entrou para a minha lista de contos preferidos da vida –, cujo título é ‘’A Filha da Solidão’’, iniciou-se como uma história comum de patriarcalismo e preconceito enraizado profundamente em uma família de brancos portugueses e finalizou-se com uma dúbia interpretação, a qual desperta a vontade no leitor de que aquele conto fosse transformado em um livro e nos fossem dadas todas as explicações e nuances por trás daquele desfecho. O primeiro trecho do conto resume sua essência e nos faz refletir sobre as consequências das amarras que eram impostas sobre as mulheres no século XX e que ainda estão presentes na nossa sociedade atual.

Na vida tudo chega de súbito. O resto, o que desperta tranquilo, é aquilo que, sem darmos conta, já tinha acontecido. Uns deixam a acontecência emergir, sem medo. Esses são os vivos. Os outros se vão adiando. Sorte a destes últimos se vão a tempo de ressuscitar antes de morrerem. (pág. 93)


Sem dúvidas, Mia Couto entrou para os meus autores favoritos da língua portuguesa.


Comemorações atrasadas

Olá, gente!

Então... Eu dificilmente posto aqui, normalmente só reviso todos os textos publicados e minha participação fica por isso mesmo, mas tenho um bom motivo pra aparecer hoje. Na verdade, super válido mesmo teria sido aparecer dia 3, só que nem tudo é perfeito.

"Mas o que teve dia 3, oh, sumida Editora?" 

Bom, dia 3 o Ourives completou dois aninhos! E não só isso: esse post que você está lendo agora é nossa 100ª publicação (':

"E só agora você vêm falar disso?? Se organiza, mulher!"

Eu sei, eu sei, a gente realmente vacilou. O plano original era fazer um grande post com alguma promoção ou TAG, até demos uma corrida pra chegar no post 99 até o aniversário e tal. Mas sabem como é - deixamos pra última hora e, depois de vermos nosso aniversário passar em branco diante dos nossos olhinhos mareados, desanimamos pra preparar um babado no atraso ): Aí hoje, dez dias depois, eu liguei um CHEGA DE ABSTINÊNCIA e vim fazer esse mini-pronunciamento.

Nós, ourives, estamos bem enrolados - no momento somos universitários e pessoas morrendo para entrar em universidades - e, como sempre, eu sou a pior de todos nós. Notem: estamos com vários rascunhos aí pra eu editar, mas a coitada aqui não é lá muito disciplinada. (Ainda bem que tem outro editor pra dar um help com pré-edições gloriosas que salvam vidas <3 ) Meu lado filha de João Bidu também fica tentado a dizer que o Ourives sofre de uma preguicinha taurina, mas deixa pra lá.

Poréeeemm, já que o ano é novo, têm que rolar umas promessas, né! Prometemos mais posts, mais organização e algumas novidades em forma de TAGs/promoções vindo aí! Como toda promessa de ano novo, a eficácia não é 100% garantida, mas juro que os esforços serão sinceros hahahaha

Também, lembrando que é aniversário (aquele ridiculamente atrasado), não posso deixar de prestar muitos agradecimentos aos ourives. Principalmente aos grandes originais, meus amigos queridos de quem eu sinto saudade todos os dias e que me fazem querer contar os segundos até a próxima OurivesCon. Muito obrigada por tudo. Eu amo vocês de verdade e sou muito orgulhosa do que nosso bebê de três pais e uma mãe se tornou <3

Fica também um grande beijo e muita gratidão aos demais ourives e colaboradores, especialmente a um pessoalzinho novato aí que tá me enchendo de rascunhos! Vocês são parte fundamental do blog e é um prazer ter os textos de vocês por aqui.

E o último grande agradecimento vai pra você, leitor! Você que não nos odeia por sermos tão inconstantes e continua vindo aqui ler um ou outro texto de vez em quando. Você é nossa motivação para voltar aos trilhos. Não desista de nós (;

E hoje eu paro por aqui.

PARABÉNS PELOS DOIS ANINHOS, OURIVES DAS PALAVRAS! E FELIZ 100ª POSTAGEM :D