Precisamos falar sobre o Kevin, de Lionel Shriver

Lionel Shriver
Editora Intrínseca
ISBN: 978-85-98078-26-7
464 páginas
Encontre na Saraiva (Edição Movie Tie-In).

Sinopse:
Para falar de Kevin Khatchadourian, 16 anos – o autor de uma chacina que liquidou sete colegas, uma professora e um servente no ginásio de um bom colégio do subúrbio de Nova York –, Lionel Shriver não apresenta apenas mais uma história de crime, castigo e pesadelos americanos: arquiteta um romance epistolar em que Eva, a mãe do assassino, escreve cartas ao marido ausente. Nelas, ao procurar porquês, constrói uma reflexão sobre a maldade e discute um tabu: a ambivalência de certas mulheres diante da maternidade e sua influência e responsabilidade na criação de um pequeno monstro. Precisamos falar sobre o Kevin discute casamento e carreira; maternidade e família; sinceridade e alienação. Denuncia o que há de errado com culturas e sociedades contemporâneas que produzem assassinos mirins em série e pitboys. Um thriller psicanalítico no qual não se indaga quem matou, mas o que morreu.
Enquanto tenta encontrar respostas para o tradicional onde foi que eu errei? a narradora desnuda, assombrada, uma outra interdição atávica: é possível odiarmos nossos filhos?

Uma das melhores coisas de ser leitor é começar a ler um livro com pouco ou nenhum conhecimento sobre ele e ser surpreendido durante a leitura. Precisamos falar sobre o Kevin foi uma surpresa assim. É necessário dizer, porém, que não foi uma leitura rápida, e em muitas vezes também não foi muito confortável. Nunca tive tanta dificuldade em escrever uma resenha sobre um livro de que gostei tanto.

Ao começar a leitura, eu não tinha noção nenhuma do que a história iria abordar além da história pueril de um filho problemático que consegui imaginar a partir do título. Também não havia assistido ao filme, e isso tudo foi muito bom e contribuiu para a grande surpresa que o livro acabou sendo. A história e sua abordagem foram se revelando aos poucos muito mais maduras, profundas e detalhadas do que eu poderia imaginar. Durante toda a leitura, em momento nenhum era possível relaxar. Eu já li muitos livros diferentes do meu gosto usual, mas este foi o primeiro que realmente me fez sentir arrastado para fora da minha zona de conforto.

Lionel Shriver conta a história como um romance epistolar, narrado por Eva Katchadourian em cartas que escreve a seu marido, Franklin. Durante a primeira centena e meia de páginas nós conhecemos Eva, que é uma personagem não muito carismática. Eva é arrogante e orgulhosa, uma mulher sofisticada e altiva que é um verdadeiro nojo. Por isso, esse primeiro período do livro parece ser um tanto mais arrastado, tamanho é o desagrado que é conhecer melhor a protagonista. É impressionante como isso não prejudica de forma alguma o desenrolar da história. Ao invés de me sentir inclinado a desistir do livro por conta de uma personagem assim tão miserável, senti que Lionel Shriver havia colocado um diabo sentado em meu ombro para me arrancar o sossego e me desafiar a terminar a leitura.

Eva é uma mulher muito inteligente, sincera e crítica, então, nas divagações que faz em suas cartas, ela muitas vezes enfia o garfo em muitas feridas abertas de todas as pessoas. Suas cartas estão cheias de frases de embrulhar o estômago, algumas verdades impiedosas sobre as pessoas, a vida, o amor, o sexo, a família, casamento. Durante o livro, Eva tem bastante tempo para espetar quase todos os assuntos em sua língua pontuda.  Há um interlúdio, uma passagem um pouco menor logo após a primeira, em que Eva fala sobre os primeiros anos de seu casamento com Franklin. Esse período do livro destruiu qualquer vestígio da ideia de felicidade conjugal padrão comercial de margarina que ainda havia em minha mente. É então que vem o “segundo ato” da história, quando nasce o menino sobre o qual precisamos falar.

Contar qualquer detalhe sobre a relação da mãe com o filho será um grande spoiler. Eva, desde o começo, demonstra despreparo para educar o filho. Ao contrário dela, Franklin mostra ter nascido para isso, tornando-se um pai coruja e conquistando de Kevin um carinho que a mãe não conseguiu. No desenrolar dessa segunda metade do livro, Eva se desenvolve ainda mais, e eu arriscaria dizer que é a melhor protagonista que eu já vi até hoje. Da metade ao fim do livro é quando ele se torna mais impossível de largar. A relação entre Kevin e a mãe só vai se tornando mais difícil com o decorrer da leitura, e não sei se devo ter vergonha de dizer que estive curiosíssimo para ler mais e mais disso – estava achando toda essa tragédia grega deliciosa.

Precisamos falar sobre o Kevin foi um divisor de águas para mim. Um livro pelo qual eu não daria nada e que foi uma das maiores – se não a maior – surpresas que já tive na vida de leitor. É um favorito para a vida inteira que vou sempre querer abraçar forte quando tirar da estante e começar a ler tudo outra vez. Lionel Shriver ganhou um fã.

5 comentários:

  1. Instigante recomendação, deu vontade de ler.

    Um abraço!

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    1. Poxa, obrigado, Will! Espero que goste do livro, se chegar a lê-lo. Volta mais vezes! Abraço (:

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  2. Acabei de ler Kevin essa semana e assim que terminei de ler a última frase do livro, tive que concordar que Eva é uma das melhores protagonistas que já vi até hoje. Mais ou menos até a metade do livro, eu odiava a Eva e cada uma das palavras egoístas e orgulhosas que ela proferia, me deixavam com muita raiva. Mas depois que passou da metade, comecei a concordar com muitas coisas que ela pensava e comecei a tomar raiva do Franklin e de sua ingenuidade. Enfim, foi basicamente uma montanha-russa de amor e ódio com cada um dos personagens. O Kevin não preciso nem mesmo mencionar suas falas marcantes e sua geniosidade (Além do normal).
    Sua resenha ficou perfeita e descreveu bem o sentimento de não se sentir confortável com uma leitura e assim mesmo ansiar tanto pelos momentos que era possível fazê-la.
    Ainda estou na dúvida se esse ou Garota Exemplar será eleito o melhor livro do ano e fico feliz em ter disseminado (através da Ana Paula daqui do Ourives) a leitura de GE. Afinal é sempre um prazer traumatizar a vida literária alheia com livros como esses (Just kidding).
    Beijo :*

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    1. A Eva é incrível, porque ela definitivamente não é uma pessoa muito legal, e mesmo assim, após começarmos o livro detestando ela, é impossível não amar essa mulher ao concluir a leitura. Já o Kevin... mixed feelings. Obrigado pela visita, pelos elogios e pelo comentário, Mariana! E meus Deuses, GE é perfeito. Aguarde resenha hahaha E fique à vontade para sugerir mais coisas, minha vida literária adora ser traumatizada. Beijão, volte mais vezes! :*

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  3. Oi, Nicolas, tudo bem?

    Nossa, estou LOUCA para ler esse livro. Não sei muito sobre a história, mas sei que há uma pitada de psicologia, o que me conquista em todos os livros! Muito boa a sua resenha!

    Beijos, Be
    www.clubedas6.com.br

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