Bórgia, volumes I ao IV, de Milo Manara e Alejandro Jodorowsky


          Como qualquer um que goste de quadrinhos, eu já havia ouvido falar muito do trabalho do italiano Milo Manara. Seu traço sedutor e seus quadrinhos eróticos são lendários. Já de Alejandro Jodorowsky eu não havia ouvido falar tanto. Lendo sobre ele, descobri que grandes nomes, como John Lennon, David Cronenberg e David Lynch, são seus fãs e descobri que ele é coautor de Incal, uma HQ de que já ouvi falar um pouco nessa vida. Acontece que, um dia, esse espanhol e esse italiano entram em um bar...
          Bem, não deve ter sido bem assim, mas um dia Jodorowsky e Manara se juntaram para criar algo juntos e, honrando sua fama, Bórgia, o fruto de seu trabalho, é algo memorável. Foi lançado em quatro álbuns, em sua ordem: Sangue para o PapaO Poder e o IncestoAs Chamas da FogueiraTudo é Vaidade. Traça uma biografia de Rodrigo Bórgia e de sua família. 

A capa do terceiro volume da série.
          No primeiro volume, Sangue para o Papa, Rodrigo está jovem e é um Cardeal da Igreja Católica. Seus filhos, César, Giovanni, Jofre e Lucrécia, ainda são crianças aqui. É interessante a forma como a história começa mostrando a corrupção que existia entre os cardeais e até mesmo com o Papa Inocêncio VIII. A Igreja e o papado são o poder máximo em Roma – e em toda a Itália – e o poder em suas mãos é inteiramente político. Os Cardeais, então, não guardam nenhum código religioso sob os panos: visitam e recebem prostitutas, mostram-se gananciosos e vis.
          O Papa Inocêncio VIII está doente e acredita que transfusões de sangue de meninos (daí o nome do volume) e leite de mães o curarão. Os Cardeais todos cobiçam a sua cadeira. Há compra de votos e chantagens e Rodrigo Bórgia mostra a quê veio. Nada se opõe a ele quando quer alguma coisa. O homem é inteligente, ardiloso e eloquente. Seu desejo é se tornar Papa e ele assim consegue, subornando, chantageando e mandando matar algumas pessoas. Torna-se, então, o Papa Alexandre IV e foi aí que descobri que o nome dos papas não é o nome verdadeiro. Um personagem interessante aqui é Micheletto, um capanga pessoal de Rodrigo que normalmente sai para ameaçar ou matar quem quer que seu patrão ordene. Micheletto protagoniza algumas cenas de ação muito boas, algumas as mais violentas da HQ.
          Rodrigo preza muito que seus filhos se mantenham unidos e repreende muito César e Giovanni, que brigam muito quando crianças. Quando o segundo volume começa, algum tempo obviamente se passou. Rodrigo está tentando conseguir o respeito dos romanos e colocar ordem no Vaticano. A desordem é tanta que até a Santa Praça do Vaticano é constantemente ocupada por prostitutas e cafetões, que exercem suas funções ao ar livre sem pudor algum. Aqui entra Micheletto outra vez, partindo em ordem de Bórgia para lidar com alguém que o povo realmente respeita.
          César e os irmãos cresceram e Rodrigo tem planos para cada um dos três, desempenhando um papel crucial em sua cruzada para se manter no poder. Neste volume, Maquiavel (sim, o filósofo) faz uma aparição, mostrando uma faceta não tão admirável. Ele vai, a mando de Rodrigo, buscar Lucrécia no convento para onde havia sido enviada pelo pai. Ela vai se casar com o duque de Pesaro. Jofre e Giovanni também têm casamentos arranjados por Rodrigo, todos criando alianças de poder. Os planos de Rodrigo eram expandir o poder da Igreja, da sua Igreja, até os confins do mundo, começando pela Itália, que vivia com estados independentes. O segundo volume leva o nome de O Poder e o Incesto porque aqui Rodrigo ascendeu, criou alianças e está com a cidade nas rédeas; e pelo incesto cometido por dois de seus filhos.
          O terceiro volume começa com um baile de máscaras promovido por Sua Santidade para comemorar o domingo de páscoa. No baile, é proibido falar ou tirar as máscaras e todos são obrigados a beber do ponche, no qual se mistura o álcool e elixires afrodisíacos. No baile, Manara se refestela: é uma das sequências mais promíscuas da história inteira. É também onde acontece um imprevisto, no mínimo interessante, que alude um pouco a um acontecimento do volume anterior e que mostra como Lucrécia sabe ser eloquente como o pai.
          Em Florença, o padre Savonarola está no poder e seus discursos fanáticos apontam os Bórgia como servidores de Satã. Ele governa Florença e organiza fogueiras onde o povo queima joias, livros, cartas e o que mais o padre julgar pecaminoso. Botticelli aparece rapidamente em uma das cenas das fogueiras que visam “salvar o povo do fogo do inferno”.
          Neste terceiro volume, mais algum tempo se passou e Roma e o Vaticano estão decaindo. A cidade está imunda, há moscas por toda parte e a peste negra está se espalhando pelo povo. Rodrigo nomeia seu filho, César, Cardeal-Arcebispo, planejando que o mesmo o substitua no trono papal. Rodrigo está realmente mais velho aqui, aparecendo de cabelos brancos e de rosto rugoso. Neste volume, ele tem mais alguns trabalhos a Micheletto, que se destaca mais uma vez, e é interessante notar que, desde o primeiro volume até o desfecho da história, se passam vários anos e Micheletto conserva a mesma aparência. Isso só pode ter sido intenção de Manara, que jamais deixaria passar deslize tamanho.
          O último volume é o mais eletrizante. Aqui, todos os filhos de Rodrigo mostram que têm sangue Bórgia nas veias. Todos mostram o mesmo temperamento inabalável de Rodrigo, especialmente César, que tomou para si os planos de dominar o mundo ser governante absoluto. Leonardo da Vinci aparece neste volume, traçando uma aliança com César para projetar máquinas de guerra para lhe ajudar na conquista de Florença e do reino de Nápoles. Em poucas páginas, repletas de reviravoltas e cheias de ação, a história se conclui. Cada personagem tem seu desfecho digno e, no fim, vemos Micheletto contando a história dos Bórgia à sua mãe. Os últimos quadros, em que ele conversa com sua genitora, são sensacionais.
          Bórgia é uma das melhores HQs que já li. Deixou-me com muita vontade de ler mais de Manara e de Jodorowsky e deixou saudade dos Bórgia, por mais odiosos que fossem. Fiquei feliz e muito agradecido por ter ganhado esta joia de uma amiga

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