Marvel 1602, de Neil Gaiman


 Da esquerda para a direita: Matthew Murdoch, Virginia Dare, Rojhaz, Sir Nicholas Fury e Jean "John" Grey.
   

            Quando comecei a ler Marvel 1602, já fazia algum tempo desde que eu cruzara com este volume na biblioteca algumas vezes, sem dar a ele devida atenção mesmo depois de saber que o roteiro estava nas mãos do grande Neil Gaiman. Resolvi tirá-lo da prateleira e começar a ler sem esperar nada transcendental ou literatura de qualidade (acadêmica), como se fosse uma HQ costumeira.
            A história me agarrou nas primeiras páginas. A primeira capa - tímida, mas sombria, retratando Stephen Strange - me intrigou. Os quadros iniciais da história são de uma beleza estonteante. Os desenhos de Andy Kubert são ricos em emoções, figurinos e cenários, possuem enquadramentos cinematográficos e recebem uma vibração que é quase movimento e vida diante dos nossos olhos - tudo isso nas mãos de Richard Isanove, responsável pela paleta de cores. O roteiro de Gaiman é envolvente, com diálogos inteligentes e ágeis.
            Logo somos apresentados à Rainha Elizabeth e à sua corte, onde as intrigas já se manifestam na primeira página. Sir Nicholas Fury (o Nick Fury) é o chefe de espionagem da Rainha, enquanto Stephen Strange (o mago Doutor Estranho no universo Marvel atual) atua como seu médico e conselheiro místico particular.
            O mundo está sofrendo catástrofes e Strange sente que há forças ocultas agindo, forças ligadas ao Dama da Virgínia - um navio a caminho de Londres que traz Virginia Dare -que não tem lugar no Universo Marvel, mas é inspirada em um personagem histórico-, a primeira criança a nascer no novo mundo, acompanhada por seu protetor, o índio Rojhaz (que representa o Capitão América, o Steve Rogers).
            Ao mesmo tempo, há uma disputa pelo tesouro dos templários, na qual o Conde Otto Von Doom (o Dr. Destino) e Sir Nicholas Fury acabam se voltando um contra o outro. Ambos buscam o tesouro e dizem que ele é uma arma de poderes ilimitados.
            Em meio a isso tudo, o rei James VI da Escócia está conspirando com o Supremo Inquisidor da Espanha, e pretende caçar seus odiados "sanguebruxos".
            Aí está uma das adaptações mais bacanas da HQ. Os mutantes de Charles Xavier, neste novo universo, são chamados de "sanguebruxos", aludindo a paranoia religiosa com a bruxaria. O inglês Charles Xavier se tornou o espanhol Carlos Javier e entre o seu séquito de sanguebruxos estão alguns figurões das revistas, como Ciclope, Fera, Jean Grey, Anjo e Homem de Gelo, todos com nomes repaginados de acordo com a época.
            Há também Peter Parker, o Homem Aranha, que aqui é Peter Parquagh, e Matt Murdock, o Demolidor, sendo aqui chamado de Matthew Murdoch. Os dois trabalham com e para Fury na espionagem. Wanda e Pietro, filhos de Magneto e membros da Irmandade, também estão presentes, mas somente o nome de Pietro foi alterado - para Petros, e seu pai também está lá, mas é quase um spoiler dizer quem é ele.
            A HQ transcorre com quadros eletrizantes, sequências lindas de se ler e um clímax inteligente, arrepiante e bonito. Os desenhos de Kubert, as cores de Isanove e o roteiro de Gaiman estão em perfeita harmonia - uma relação difícil de encontrar nos quadrinhos.
            Durante o decorrer do volume, as capas desenhadas por Scott McKowen ficam cada vez mais belas, com perspectiva e iluminação espetaculares, lembrando quadros de época e, em vezes, retratações de pessoas reais ao invés de desenhos.
           Gaiman nos brinda com sua genialidade da fantasia e da ficção científica, mesclada à realidade histórica da época, criando uma série memorável - um tesouro de tinta e papel na estante. Gaiman nos mostra a universalidade e versatilidade dos heróis criados por Stan Lee e Steve Ditko, e a forma como eles se adaptam facilmente a qualquer história ou época. O arco de seis edições deste encadernado é uma história única e fora da cronologia do Universo Marvel, portanto não é preciso ter acompanhado as revistas mensais por 20 anos para apreciar a obra.
            O sucesso de 1602 foi tão grande que a editora lançou uma sequência, mas Gaiman, tampouco Kubert fizeram presença na equipe dessa continuação, o que, é claro, a torna uma HQ mais fraca do que a original. 



           

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