Bailarina Escarlate – Série Cores, do Felizes Para Sempre ao Era Uma Vez

Para Lígia, Lívia, Vítor e Guilherme
A perna ia alto, como a pipa do garoto que tenta chegar ao limite do céu.
Ela girava em seu eixo, em uma pirueta perfeita. Tal qual as palavras que rodavam na mente do poeta quando chegava a hora de escrever.
Era bela e terrível.
Bela por suas feições e sua aura.
Terrível por representar tudo o que ele mais temia.
O brilho de seus pensamentos fora atraído pela sapatilha cor de sangue que degradava os pés da bailarina, seus laços cruzados em volta dos tornozelos firmes indicavam o caminho do corpo. Desejo da carne.
Ela o sentiu antes mesmo de vê-lo. Ele ardia. Ardor rubi.
Na última noite da bailarina, a dança e as piruetas foram feitas para ele. A vida estava lhe cobrando os tropeços cometidos no piso de linóleo e ela teria que abandoná-lo.
Eis que a cortina carmesim se fecha e poucos aplausos são ouvidos no antigo teatro, que há muito era pouco habitado.
O casal torto buscou, então, contato. Os olhos se encontraram numa promessa muda de toque tardio.
Ele aguardaria que ela despisse a alma bordô que usava para a dança e ela ansiava pela doce pele do poeta.
Chronos lhes fora generoso e logo se encontraram face a face.
- Não sabia que estaria aqui hoje.
- Nunca disse que viria.
A bailarina e o poeta mantinham a regra dos encontros ao acaso, conheciam as vielas da vida um do outro. Sabiam onde encontrar o objeto de seus desejos quando a necessidade latente por companhia ficasse insaciável.
Os olhos dele refletiam loucura carmim ao fitar os lábios cereja dela.
- Na sua casa ou na minha?
- Na minha.
Pegaram um taxi, cortaram a cidade. A luz rubra do pôr-do-sol atravessava as janelas do carro e tornava visível o incêndio interior do casal.
À porta do prédio coral, eles desceram, enlaçaram as mãos como não era de costume.
O ar vibrava mediante à luxúria que exalava de ambos. Numa dança muda, passaram a porta, atravessaram o corredor, chegaram ao quarto.
Despiram a alma e o corpo. Tornaram-se brancos um para o outro. Transparentes para o mundo.
Os corpos amaram-se em vermelho, pois o amor, para eles, só poderia caber nesse contexto.
E, finalmente saciados da sede carnal, beberam da paz que o prazer oferece.

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