Cira e o Velho, de Walter Tierno






Na pré-escola e durante o ensino fundamental, todos nós estudamos em algum momento o nosso folclore. Uma coisa um tanto decepcionante nisso é a forma infantilizada como todo ele sempre nos é exposto, muitas vezes na forma reinventada por Monteiro Lobato, ou em recontos influenciados pela obra do mesmo. É difícil pensar que uma ou duas gerações atrás, pessoas adultas levavam a sério esse tipo de coisa. Que a Caipora, o Lobisomem, o Curupira e tantos outros personagens eram histórias que se ouviam todos os dias e metiam medo não só em criança. Todo mundo já ouviu sua avó ou a avó de alguém contar alguma história de Saci ou de Lobisomem, principalmente se você tem algum parente que viveu em zonas rurais.
Cira

Depois que crescemos, temos uma tendência a acabar esquecendo essas histórias, e acabar pensando nelas como coisa pra criança. É aí que o livro de Walter Tierno tem uma das suas maiores glórias, matando essas ideias estúpidas durante uma leitura fluida e divertida. A história corre em dois núcleos: o presente, onde temos um narrador sem nome, que poderia ser o próprio autor, e que conta sua Odisseia em busca de saber mais de Cira, uma personagem folclórica que ele conhecera ao ganhar uma figurinha em um jogo de bafo quando criança; e temos também o passado, o Brasil colonial, onde conhecemos a história de Cira desde gênese, assim como acompanhamos alguns outros personagens – como seu pai, o poderoso Cobra Norato, e também a irmã dele, a maligna Maria Caninana. Cira, assim como o narrador, tem sua própria jornada, uma busca por vingança contra o Velho, que assassinou sua mãe.

Conforme o livro avança e acompanhamos o narrador em sua investigação a respeito de Cira, o autor apresenta uma miríade de personagens ricamente representados. Conhecemos as origens de Cira e algumas figuras clássicas de nosso folclore conforme eles cruzam seu caminho, e também a forma como esses seres tiveram que se adaptar para sobreviver ao passar dos séculos, sendo obrigados a adentrar o espaço urbano conforme as cidades cobriam seu antigo habitat. O autor também assina todas as várias ilustrações do livro – quando o conhecemos na Bienal do Livro de 2014, o próprio Walter fez um desenho à mão na hora, junto com seu autógrafo. O livro não é de forma alguma infantil, muito pelo contrário. A história tem cenas de ação enérgicas e bastante violentas.

A Morte, mimada e birrenta.
O nosso folclore tem uma mensagem geral importantíssima, que o tempo todo nos é repetida quando somos crianças, mas que parece que deixa de nos preocupar e é esquecida junto com essas histórias à medida que crescemos. O Saci, o Curupira, a Caipora e todos os outros espíritos que já cansamos de conhecer, são forças da mata. Manifestações da natureza selvagem, intocada pelo homem. Habitam histórias de coisas ruins que aconteceram com caçadores, desmatadores e pessoas que não respeitaram a Mata. Esses personagens, essas histórias, eram uma forma de os Antigos nos ensinarem a dar o devido respeito à nossa Terra. É nosso dever perpetuar essas histórias, não só por seu valor em nossa identidade cultural, mas por essa prerrogativa. A crise da água já é parte do dia de todos nós, e assim será para sempre. Logo não será a nossa única preocupação do tipo, portanto agora precisamos desses espíritos mais do que nunca, para nos lembrarem de que o que temos não é eterno, e que a nossa Natureza cobra nossas imprudências com tanta severidade quanto um deus de velho testamento.

O trabalho de Walter Tierno contribui com mais do que romances de aventura divertidos, mas também trazendo de volta às nossas vidas adultas alguns dos nossos maiores tesouros.  Cira e o Velho é um livro que traz um gostinho de história de avó, mas contada através de uma narrativa hábil, com cenas de ação cinematográficas e a representação cuidadosa da história de nosso próprio país dá uma vontade enorme de procurar mais histórias do tipo. A menção honrosa vai para a aparição de um personagem histórico bastante importante na História dos escravos e da luta por sua liberdade no Brasil, e para lugar onde se dá o confronto final do romance. Walter escreveu um dos meus novos favoritos, e seu epílogo de explodir cabeças apenas encerra com chave de ouro um trabalho impecável.

Se interessou? Encontre o livro na Saraiva!

Um comentário:

  1. Olá, parabéns pelo blog!!
    Este livro está na minha wishlist tem um tempo e só me deixou mais curiosa com esta resenha.
    Adorei.

    http://dicasdaisacereser.blogspot.com.br

    ResponderExcluir